Estrelas A luta de Vicente Gil, ator cigano de Vitória, contra a exclusão social da sua comunidade: "O meio artístico é muito preconceituoso"
Vicente Gil ganhou um lugar de projeção na ficção portuguesa depois de ter sido um dos atores a integrar o elenco das primeiras temporadas dos novos ‘Morangos com Açúcar’. Antes, já havia surgido em ‘Glória’, da Netflix, ‘A Rainha e a Bastarda’, da RTP, e diversos filmes.
Hoje, é uma das caras de destaque da novela ‘Vitória’, da SIC, e tem vários projetos em pós-produção, assegurando que continuará a brilhar nos ecrãs ao longo dos próximos tempos.
O ator de 24 anos nasceu no Porto, no seio de uma família cigana, sendo filho da atriz Maria Gil e tem travado desde o início da sua carreira é a de pugnar pelo fim da discriminação contra a comunidade cigana, à qual pertence.
“O meio artístico é muito preconceituoso, também. O racismo também é estrutural na cultura, e eu sinto isso logo por aquilo que é a ideia do que é a pessoa cigana. Ainda há um tabu e uma dúvida gigante sobre o que é ser cigano. Porque, na realidade, quem é que são os ciganos na cultura portuguesa?”, questionou-se, numa das primeiras entrevistas públicas, ao site ‘Gerador’.
Nessa mesma conversa, partilhou a mesma preocupação sobre a reação da sua família à telenovela ‘A Herdeira’, da TVI, que havia estado no ecrã anos antes, destacando-a como “a representação do cigano velho, vestido de preto, sentado na eira com a família toda à volta, a viver nas barracas no meio do nada”. “Eu, como cigano, assim como a minha família, sentimo-nos atacados; é um ataque termos de ser representados daquela forma sistematicamente”, afirmou.
"Eu, como cigano, assim como a minha família, sentimo-nos atacados; é um ataque termos de ser representados daquela forma sistematicamente"
Mais tarde, ao ‘Jornal de Notícias’, abriu o jogo sobre o papel da família enquanto potenciador da presença de pessoas ciganas em “lugares de privilégio da comunicação”. “Estamos habituados a criar relações diferentes com a comunidade maioritária, crescemos a aprender lidar com isso e a conviver com ela”, declarou.
À GQ, em 2024, Vicente Gil remeteu para o seu próprio caso: “Penso sempre que sou meio estrangeiro ou que não sou todo cigano, porque é a leitura que fazem de mim, e tenho essa noção e no fim do dia é um privilégio porque não sou alvo de exclusão por aparecer, e entro em muitos conflitos também por não saberem que eu sou cigano para não fazer disso um estandarte, ouço coisas muito desagradáveis, mas também abro discussões interessantes e necessárias. (…) Saber que tenho uma experiência agradável, por não haver uma leitura automática da minha origem é um problema gigante, se corroborasse algumas ideias estereotipadas do que é um cigano, será que a minha experiência e o acesso seriam os mesmos?”, questionou.
Depois, lamentou: “Efetivamente, são muito poucas ou raras as pessoas ciganas com quem me tenho cruzado em ‘sets’ de televisão, de cinema ou dentro de teatros, por isso, existe uma grande exclusão e também uma exclusão de públicos. Não se vê propriamente ciganos nos cinemas, nem nos teatros, mas isso faz parte de um conjunto muito maior de uma exclusão social, de uma guetização. Sei os privilégios que tenho de nascer no centro de uma cidade cosmopolita e de ter tido uma mãe que me impulsionou ao estudo e a consumir arte.”
No mesmo ano, Vicente Gil e a sua mãe, Maria Gil, versaram sobre a realidade da comunidade cigana em Portugal, num vídeo para o Teatro Municipal do Porto “Grande parte dos portugueses consideram os ciganos portugueses como apátridas. O sentido de existência das pessoas ciganas é de uma existência atroz no espaço público, porque a pessoa fala a tua língua, tem as características próprias da comunidade maioritária, só que é como se ela não existisse e não pertencesse ao espaço."
"Ao longo do tempo, queiramos ou não, o conhecimento vai-se difundir. As redes sociais vão educando as comunidades ciganas"
“É importante compreender que, quando uma comunidade está subjugada a uma situação de exclusão social, de separatismo, naturalmente as próprias construções de sociabilidade tendem a que a economia dessas pessoas seja mais baixa. Ao longo do tempo, queiramos ou não, o conhecimento vai-se difundir. As redes sociais vão educando as comunidades ciganas. As mulheres ciganas têm, ainda mais que a esmagadora parte dos homens ciganos, a necessidade de quebrar barreiras, de procurar maior expressão das próprias populações ciganas no mundo”, sublinhou o intérprete, agregando: “Existe esse instinto que sinto em muitas colegas, porque eu também fui bolseiro de uma bolsa específica para ciganos, (…) de lembrar que as mulheres fazem a diferença, até no ativismo, grandes vozes do ativismo cigano são mulheres."
Por fim, Vicente Gil disse: “Existe falta de conhecimento sobre o que são os ciganos, as suas populações. Quando existe arte com ou sobre ciganos dividem-se em dois géneros de trabalho: um deles que é pouco favorável, uma caricatura, pessoas brancas a exercitar a ideia do que é um cigano de um ponto de vista preconceituoso; e há o trabalho social, em que vão buscar histórias, grupos e comunidades para fazer o exercício da arte social que deve existir, mas que parece que incubem esse lugar como o único da exploração da arte cigana.”
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