Estrelas A face menos conhecida de João Jesus: ator cresceu num bairro e ficou marcado pelas rusgas policiais
Apesar de hoje ser um dos atores mais reconhecíveis da ficção nacional, nem sempre a vida de João Jesus foi pautada pelo privilégio. O intérprete de 35 anos nasceu e cresceu no bairro da Quinta da Lage na Amadora, situação que orgulhosamente refere como parte da sua história, mas que, reconhece, lhe deixou marcas.
"[O bairro] está a desaparecer. Há pouco tempo fui lá e as casas estão a ir abaixo porque, pelos vistos, vai lá passar uma estrada", contou à TV Guia, numa entrevista em dezembro de 2024, quando ainda estava fresca na memória a morte de Odair Moniz, na Cova da Moura, tendo estado nas manifestações que o acontecimento originou.
Nessa mesma entrevista, assinalou: "No bairro onde cresci, não tenho histórias felizes com rusgas. Porque, de repente, toda a gente era criminosa. Eu tinha que ficar fechado em casa, com a minha avó, porque não podíamos sair. E atenção, que isto era constante. Aceito que tem que se combater o tráfico, mas era a forma como era feito. Tive várias abordagens que podiam ter corrido mal, se tivesse outra cor de pele. É um tema complexo."
"De repente, toda a gente era criminosa. Eu tinha que ficar fechado em casa, com a minha avó, porque não podíamos sair"
No 'Alta Definição', da SIC, em 2019, relatou alguns pormenores sobre a sua vida nesses tempos: "Passava o dia todo na rua como é característico dos anos 80 e 90. Estive lá há um mês, ainda tenho lá amigos. Da última vez que lá fui, a casa já tinha sido demolida, até foi estranho estar em frente à casa onde vive a infância quase toda e estar demolida. (...) Há coisas que não vale a pena revisitar, que é bom ficarem arrumadas, mas volto lá porque tenho lá amigos e para perceber um pouco do que aquilo foi com os olhos de agora."
"Acho que esses meus amigos já não me veem da mesma forma, porque já não ia lá há algum tempo. Quando lá fui, foi um quebra-cabeças tentar lembrar-me de muitas coisas. Por um lado foi mágico, porque cheguei a memórias a que não consegui chegar sozinho", continuou. De seguida, a estrela televisiva relatou as situações que mais impacto causaram: "Uma das coisas que mais marca são as rusgas. Na altura não percebia nada. Na casa da minha avó, a cama ficava diretamente para a porta e, quando há uma rusga às cinco ou seis da manhã, os polícias fazem uma coisa que é arrombar a porta. Arrombam e ficam à frente da porta com a caçadeira, ninguém anda no bairro durante esse tempo, ninguém pode sair de casa para andar no bairro. E então eu lembro-me que estava na cama e a minha avó estava a falar com o polícia para ir buscar pão para o meu tio e o polícia não a deixava sair."
"Uma das coisas que mais marca são as rusgas. Na altura não percebia nada"
"Tem um impacto. A primeira vez causou medo, lembro-me de cinco vezes para aí, houve uma em que levaram o meu tio, aí foi mais chato. (...) Não tinha muita consciência do que significava, tenho mais agora, se calhar, balanço as diferenças de realidade", frisou, agregando: "Felizmente, não fui pelo lado mais agressivo ou desleixado, apesar de ter fortes exemplos de grande desgraça, acabei por perceber que ali alarmante, era um terreno perigoso. Ainda hoje há certas coisas que me lembro do meu tio, a dizer: 'Não faças isto, isto vai desgraçar-te'. Tinha a ver com consumo de drogas, a que assistia, não percebia, a única coisa era o cheiro a vinagre. Até hoje não gosto de vinagre por causa disto."
Pelo meio, o ator explicou que somente anos mais tarde se veio a aperceber das realidades muito contrastantes: "A seguir à Quinta da Lage, ainda fui para Arroja, Brandoa, Alfornelos, Brandoa e Cascais, só em Cascais é que comecei a perceber a diferença abrupta de realidade."
À TV Guia, João Jesus revelou ter como projeto um registo sobre este tema: "Há muito tempo que estou com vontade de registar, de fazer uma espécie de documentário lá no bairro, para que aquilo se torne um pouco eterno na minha memória e não só. Nas memórias da Amadora e de Lisboa também. Espero que a eventual demolição demore e que ainda haja esperança para as pessoas que continuam lá a morar e que aquilo tenha umas associações culturais que ajudem a preservar o local."